I. INTRODUÇÃO
A Cedência Temporária de Trabalhadores resulta de uma modalidade especial de contrato de trabalho, nomeadamente, o Contrato de Trabalho Temporário, previsto no Ordenamento Jurídico Angolano, regulamentado por diversos diplomas legais. Dada a sua relevância, neste Guia Prático analisaremos os principais aspectos do seu regime jurídico[1].
II. ENQUADRAMENTO JURÍDICO
No Ordenamento Jurídico Angolano, a Cedência Temporária de Trabalhadores encontra-se regulada pelos seguintes diplomas: Lei 12/23, de 27 de Dezembro, Lei Geral do Trabalho, doravante LGT, Decreto Presidencial 31/17 de 22 de Fevereiro, Regime Jurídico de Cedência Temporária de Trabalhadores, doravante DP, e pelo Decreto Executivo 11/19 de 10 de Janeiro, Licenciamento da Actividade de Cedência Temporária de Trabalhadores, doravante DE.
Nos termos da al. n) do art.º 3.º da LGT, Contrato de Trabalho Temporário é “ o acordo celebrado entre uma pessoa colectiva cuja actividade consiste na cedência temporária da utilização de trabalhadores a terceiros, designada empresa de trabalho temporário, e uma pessoa singular, pelo qual esta se obriga, mediante retribuição paga por aquele, a prestar temporariamente a sua actividade profissional a um terceiro, designado por utilizador”.
Este contrato origina uma relação triangular, entre a Empresa de Trabalho Temporário (ETT), o Trabalhador, e o Utilizador[2], na medida em que a obrigação de pagamento da retribuição e contribuições para a segurança social se mantém na ETT, mas a autoridade e direcção sobre o Trabalhador passam a ser exercidas pelo Utilizador[3] (n.ºs 1, 2 e 3 do art.º 18.º do DP).
III. REQUISITOS PARA A CEDÊNCIA TEMPORÁRIA DE TRABALHADORES
1. OBJECTO SOCIAL – Para que uma empresa ceda temporariamente trabalhadores a terceiros, deve estar vocacionada para o efeito através da referência expressa no seu objecto social (al. a) do art.º 3.º do DP;
2. AUTORIZAÇÃO PRÉVIA – Resulta do art.º 4.º do DP, que “a actividade de cedência temporária de trabalhadores carece de autorização prévia do Titular do Departamento Ministerial que superintende a Administração do Trabalho”[4]. Para o efeito, a empresa requerente deve preencher os seguintes requisitos: Idoneidade[5], Capacidade técnica, organizativa e funcional para o exercício da actividade[6], Situação contributiva regularizada perante a Administração Fiscal e a Segurança Social (al. a), b) e c) do n.º 1 do art.º 4.º do DP)
Para que uma empresa ceda alguns dos seus trabalhadores para outra, por via de um contrato de trabalho temporário, deve cumprir com os requisitos supracitados, nomeadamente, ser uma empresa que tenha por objecto a actividade de cedência temporária de trabalhadores e estar autorizada pelo MAPTSS para o efeito. Será nulo o Contrato de Cedência celebrado com uma ETT não autorizada, nos termos do n.º 1 do art.º 21.º do DP. A nulidade do Contrato de Cedência acarreta a nulidade do Contrato de Trabalho Temporário e a relação estabelecida entre o trabalhador e o Utilizador considerar-se-á um Contrato por Tempo Indeterminado, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 21.º do DP.
As empresas que não tenham autorização para exercer a actividade de cedência temporária de trabalhadores, nos termos do DP, são punidas com base no regime das multas por contravenções ao disposto na LGT[7] e legislação complementar (n.º 1 do art.º 22.º do DP).
IV. INSTRUÇÃO DO PROCESSO
1. REQUERIMENTO DO INTERESSADO [8] - Nos termos do n.º 1 do art.º 5.º do DP, a empresa interessada deve apresentar o requerimento de autorização de exercício da actividade de empresa de trabalho temporário dirigido ao Titular do Departamento Ministerial que superintende a Administração do Trabalho, acompanhado dos seguintes documentos:
a) Requerimento, no qual indique a denominação, sede, número de pessoa colectiva, cópia do registo comercial e do contrato de sociedade, nomes dos titulares dos corpos sociais e a localização do estabelecimento onde se irá exercer a actividade;
b) Declarações de que tem a situação contributiva regularizada perante a Administração Fiscal e a Segurança Social;
c) Comprovação dos requisitos de capacidade técnica, organizativa e funcional para o exercício da actividade, confirmada através de visita conjunta à sede da empresa requerente, pelos serviços competentes das Áreas do Trabalho e Formação Profissional e da Inspecção Geral do Trabalho.
2. EMISSÃO DO CERTIFICADO PARA O EXERCÍCIO DA ACTIVIDADE – O Certificado para o exercício da actividade é emitido pela entidade competente da Área do Trabalho e Formação Profissional após anuência do MAPTSS[9] (art.º 6.º do DP).
V. DEVERES DA EMPRESA DE TRABALHO TEMPORÁRIO
Além dos deveres consagrados nos termos da LGT, a ETT tem, em especial, os seguintes deveres, nos termos do art.º 7.º do DP:
a) Remeter semestralmente ao Centro de Emprego da respectiva área de actividade, a relação completa dos trabalhadores cedidos, com indicações do nome, número de beneficiário da Segurança Social, início e duração do contrato, local de trabalho, categoria profissional e remuneração de base;
b) Comunicar ao Centro de Emprego a alteração da sede e localização dos estabelecimentos para o exercício da actividade, bem como a suspensão ou cessação por iniciativa própria;
c) Incluir em todos os contratos, correspondências, anúncios e de um modo geral em toda a sua actividade externa, o número e a data do Certificado de Autorização do Exercício da Actividade;
d) Afectar à formação profissional dos trabalhadores temporários, pelo menos, 5% do seu volume anual de negócios nesta actividade.
VI. CARACTERÍSITCAS DO CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
Conforme referido, o Contrato de Trabalho Temporário é celebrado entre a ETT e o Trabalhador, sendo que este se obriga a prestar a sua actividade a um terceiro, por um período de tempo determinado (art.º 8.º DP). Nos termos do art.º 9.º do DP o Contrato de Trabalho Temporário é obrigatoriamente celebrado por escrito e deve conter os seguintes elementos:
a) Identificação do trabalhador;
b) Categoria profissional ou descrição das funções a exercer pelo trabalhador;
c) A remuneração;
d) Duração do contrato;
e) O horário e o local de trabalho;
f) Data da celebração.
VII. CARACTERÍSITCAS DO CONTRATO DE CEDÊNCIA DE TRABALHADORES TEMPORÁRIOS
O trabalho temporário pressupõe a existência de dois negócios jurídicos. Um primeiro celebrado entre a ETT e o Trabalhador para executar trabalhos junto de terceiros (Contrato de Trabalho Temporário); um segundo celebrado entre a ETT e a empresa utilizadora da mão-de-obra (Contrato de Cedência de Trabalhadores Temporários)[10].
A celebração do Contrato de Cedência de Trabalhadores Temporários será apenas admissível para os trabalhadores com 2 (dois) meses de serviço efectivo na ETT, sendo considerados nulos todos os contratos que não obedecerem a este requisito (art.º 11.º do DP).
Nos termos do n.º 1 do art.º 15.º do DP o Contrato de Cedência de Trabalho Temporário deve ser celebrado por escrito, em triplicado, devendo conter o seguinte:
a) Denominação e sede da empresa de trabalho temporário e da empresa utilizadora, bem como a indicação dos respectivos números de contribuinte da Segurança Social e o número e data do Certificado de Autorização para o Exercício da Actividade;
b) Indicação dos motivos de recurso ao trabalho temporário por parte da empresa utilizadora;
c) Características genéricas do posto de trabalho a preencher, local e horário de trabalho;
d) Montante da retribuição devida pela empresa utilizadora à empresa de trabalho temporário;
e) Início e duração do contrato;
f) Data da celebração do contrato.
Outrossim, nos termos dos art.ºs 12.º e 13.º do DP, a celebração do Contrato de Cedência de Trabalhadores Temporários só é permitida nos casos e duração seguintes:
a) Substituição de trabalhador ausente ou que se encontre impedido de prestar serviço | 1 (um) ano;
b) Necessidade decorrente da vacatura de postos de trabalho quando já decorram processos de recrutamento para o seu preenchimento | 6 (seis) meses;
c) Acréscimo temporário ou excepcional de actividade, incluindo o devido à recuperação de tarefas ou da produção | 1 (um) ano;
d) Tarefa especificamente definida e não duradoura | 6 (seis) meses[11];
e) Actividade de natureza sazonal ou outras actividades económicas cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado ou de outra causa relevante | O contrato mantém-se durante a natureza sazonal ou a irregularidade da actividade económica desenvolvida, não podendo em cada ano a duração do contrato exceder 6 (seis) meses;
f) Necessidades intermitentes de mão-de-obra determinadas por flutuações da actividade diária ou partes do dia, desde que a utilização não ultrapasse, semanalmente, metade do período normal de trabalho praticado na empresa utilizadora | 6 (seis) meses [11];
g) Necessidades intermitentes de trabalhadores para a prestação de apoio familiar directo, de natureza social, durante dias ou partes do dia | 6 (seis) meses [11];
h) Necessidades de mão-de-obra para a realização de projectos com carácter temporal limitado, designadamente de instalação e reestruturação de empresas ou estabelecimentos, montagens e reparações industriais | 6 (seis) meses [11];
i) Necessidade de mão-de-obra especializada [12] | 24 (vinte e quatro) meses;
É proibida a sucessão de trabalhadores temporários no mesmo posto de trabalho quando tenha sido atingida a duração máxima prevista pelo DP (n.º 3 do art.º 13.º do DP). No caso de o trabalhador continuar ao serviço do utilizador para além do prazo limite, este passa a integrar automaticamente o quadro de pessoal da empresa utilizadora com base em Contrato por Tempo Indeterminado, nos termos do art.º 14.º do DP.
VIII. VICISSITUDES DO CONTRATO DE CEDÊNCIA TEMPORÁRIA DE TRABALHADORES
Nos Contratos de Cedência Temporária de Trabalhadores o Utilizador deve exigir à ETT, no momento da celebração do contrato, a junção da cópia da apólice de Seguro de Acidente de Trabalho e Doenças Profissionais que englobe o trabalhador temporário e as funções que ele tenha de desempenhar ao abrigo do contrato de utilização, sob pena de passar a ser sua a responsabilidade por tal seguro (n.º 2 do art.º 15.º do DP).
O Utilizador é igualmente o único responsável pelos elementos que fornece no acto de solicitação à empresa de trabalho temporário, designadamente pela falta de existência da razão que aponta como justificativa para o recurso ao trabalho temporário (n.º 3 do art.º 15.º do DP).
Os trabalhadores postos à disposição do Utilizador em execução do contrato de cedência temporária não são incluídos no efectivo de pessoal do utilizador (art.º 16.º do DP).
A cessação ou suspensão do Contrato de Trabalho Temporário, salvo acordo em contrário, não implica a cessação do contrato de cedência, devendo a ETT colocar à disposição do Utilizador outro trabalhador para substituir aquele cujo contrato cessou ou se encontra suspenso (n.º 1 do art.º 17.º do DP). O mesmo procedimento deve ser seguindo se, durante os primeiros 15 (quinze) dias de permanência do trabalhador, o mesmo não se adaptar ao posto de trabalho ou sempre que em processo disciplinar se verifique a suspensão preventiva do trabalhador temporário (n.º 2 do art.º 17.º do DP). A ETT é ainda obrigada a substituir o trabalhador temporário sempre que, por razões não imputáveis ao Utilizador, aquele se encontre impedido para a prestação efectiva de trabalho (n.º 3 do art.º 17.º do DP).
IX. DIREITOS DO TRABALHADOR TEMPORÁRIO
O trabalhador tem direito à estabilidade de emprego, devendo a relação laboral cessar apenas pelos fundamentos previstos na LGT (art.º 10.º do DP).
O trabalhador contratado em regime de cedência temporária, tem direito a igualdade de tratamento, que se traduz no direito a auferir o salário de base e os complementos remuneratórios decorrentes da actividade do respectivo posto de trabalho, bem como as condições de segurança, higiene e saúde no trabalho que os demais trabalhadores beneficiam ao serviço do utilizador, devendo a empresa utilizadora verificar e assegurar o cumprimento deste direito (n.ºs 1 e 2 do art.º 19.º do DP).
No caso de o trabalhador continuar ao serviço do Utilizador para além do prazo limite, este passa a integrar automaticamente o quadro de pessoal da empresa utilizadora com base em Contrato por Tempo Indeterminado, nos termos do art.º 14.º do DP.
O trabalhador temporário não pode ser impedido de integrar definitivamente o quadro de pessoal da empresa Utilizadora, sendo nulas as cláusulas do contrato de utilização que proíbam a celebração de um contrato entre o trabalhador temporário e o utilizador ou que, no caso de celebração de tal contrato imponham a este o pagamento de uma indemnização ou compensação à empresa de trabalho temporário (art.º 20.º do DP).
X. REGIME SANCIONATÓRIO
No que se refere ao regime sancionatório, nos termos do n.º 2 do art.º 22.º do DP, pode ser punida com suspensão ou cancelamento da autorização de exercício da respectiva actividade a empresa quemincorra na prática das seguintes infracções:
a) Rescisão ilegal de contrato com os trabalhadores e despedimentos ilegais;
b) Não inscrição dos trabalhadores na entidade gestora da Protecção Social Obrigatória ou omissão das remunerações sujeitas à contribuição;
c) Não constituição de Seguro contra Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais a favor dos trabalhadores;
d) Atraso por um período superior a 30 (trinta) dias no pagamento pontual da retribuição devida a trabalhadores temporários.
Compete à Inspecção Geral do Trabalho a fiscalização do cumprimento do DP e a instrução dos processos para aplicação das multas (art.º 23.º do DP).
XI. CONCLUSÃO
Como vimos, a Cedência Temporária de Trabalhadores em Angola, encontra-se regulada em vários diplomas legais, originando uma relação triangular entre a Empresa de Trabalho Temporário, o trabalhador e a utilizadora, exigindo-se que a ETT possua autorização prévia e atenda a requisitos legais específicos. Os direitos dos trabalhadores temporários são garantidos, incluindo igualdade de tratamento e estabilidade no emprego, sendo que, existem sanções para as empresas que desrespeitem o respectivo regime.
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[1] Neste artigo não analisamos a figura da mobilidade de trabalhadores no âmbito de um grupo empresarial, consagrada nos art.ºs 115.º e seguintes da LGT.
[2] Utilizador é a pessoa colectiva com ou sem fins lucrativos que ocupa, sob a sua autoridade e direcção, trabalhadores cedidos por uma ou mais empresas de trabalho temporário – al. b) do art.º 3.º do DP.
[3] Cfr. LEITÃO, Luís Teles de Menezes, Direito do Trabalho de Angola (2013), 2ª Edição, ALMEDINA, p. 300.
[4] Trata-se do Ministro da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTSS).
[5] “Considera-se idónea a empresa que tiver capacidade para a prática de actos de comércio e que sobre ela não recai nenhuma proibição do exercício da actividade.” – n.º 2 do art.º 4.º do DP.
[6] “A capacidade técnica afere-se pela existência de instalações adequadas, recursos humanos que satisfaçam as exigências próprias da actividade, suporte administrativo e organizacional necessário à gestão” – n.º 3 do art.º 4.º do DP.
[7] O regime jurídico das multas, por contravenções à Lei Geral de Trabalho, encontra-se regulado pelo Decreto Presidencial 154/16 de 5 de Agosto (Multas por contravenções à Lei Geral de Trabalho).
[8] “O pedido é apreciado no prazo de 30 (trinta) dias após análise e parecer da Área Competente no domínio do Trabalho e Formação Profissional” – n.º 2 do art.º 5.º do DP.
[9] A licença para o exercício de actividade de cedência temporária tem a duração de 24 (vinte e quatro) meses, e a prorrogação deve ser solicitada com pelo menos 30 (trinta) dias de antecedência da data de caducidade (art.º 2 e n.º 1 do art.º 3.º todos do DE).
[10] Cfr. MARTINEZ, Pedro Romano, Direito do Trabalho de Angola (2006), 3ª Edição, ALMEDINA, p. 667.
[11] Nesta situação, é permitida a prorrogação por igual período de tempo mediante autorização da Inspecção Geral do Trabalho (al. c) do n.º 1 do art.º 13.º do DP)
[12] Nesta situação, é permitida a prorrogação por mais 6 (seis) meses, mediante autorização da Inspecção Geral do Trabalho (al. e) do n.º 1 do art.º 13.º do DP).