I. INTRODUÇÃO
O poder disciplinar é um dos poderes do empregador e, de uma maneira geral, possibilita o estabelecimento de regras, bem como a aplicação de sanções disciplinares aos trabalhadores que incumprirem com as respectivas regras e ou deveres laborais.
Apesar de ser um poder conferido ao empregador, ele deve ser exercido nos termos delimitados pela LGT. Por exemplo, o empregador deve cumprir com o formalismo legal. Um desses formalismos está relacionado com o prazo para a tomada de conhecimento da infracção e o do seu responsável, bem como na convocação do trabalhador para uma entrevista. No entanto, pode ocorrer que, no momento da materialização deste poder, o trabalhador esteja no exercício de um legítimo direito, capaz de causar constrangimentos à materialização daquele poder. Suponha que o empregador tome conhecimento de uma infracção disciplinar enquanto o trabalhador estiver a gozar as suas férias, ou que o prazo para que o trabalhador seja comunicado da convocatória disciplinar termine enquanto ele estiver em gozo de férias. O que diz a LGT? Neste artigo, daremos as respostas.
II. PRAZOS PARA O EXERCÍCIO DO PODER DISCIPLINAR
O prazo é um dos aspectos mais importantes do Procedimento Disciplinar, pois, durante a sua tramitação, há um conjunto deles que devem ser rigorosamente cumpridos, sob pena de inaplicabilidade da medida disciplinar.[1]
Para o presente artigo, importa falar de algumas situações envolvendo fundamentalmente 3 (três) prazos, nomeadamente, (i) o prazo para prescrição da medida disciplinar – 1 (um) ano desde a ocorrência do facto – (ii) o prazo para o conhecimento da infracção, do infractor e consequente entrega da convocatória – 22 (vinte e dois) dias úteis do conhecimento da infracção e do infractor – e (iii) o prazo para a realização da entrevista disciplinar – até 10 (dez) úteis contados da entrega da convocatória.[2]
III. CONSTRANGIMENTOS AO EXERCÍCIO DO PODER DISCIPLINAR
A. Pode o empregador notificar o trabalhador da instauração de um processo disciplinar enquanto ele estiver a gozar as suas férias?
Dispõe a alínea a) do n.º 1 do art.º 61.º da LGT que “o procedimento disciplinar, … só pode ter lugar dentro de vinte e dois (22) dias úteis seguintes ao conhecimento da infracção e do seu responsável”. Suponha que o empregador tome conhecimento da infracção disciplinar do trabalhador enquanto ele estiver de férias. Pode o empregador notificar o trabalhador da instauração de um processo disciplinar enquanto ele se encontre a gozar as suas férias?
A LGT não estabelece qualquer impedimento expresso em relação à possibilidade de o trabalhador ser notificado da instauração de um processo disciplinar durante o período de gozo de férias. No entanto, a LGT também não considera o exercício do poder disciplinar como fundamento para o adiamento e ou suspensão do gozo de férias (art.º 136.º da LGT). Assim, se o empregador decidir comunicar o trabalhador da instauração de um processo disciplinar[3] enquanto ele estiver a gozar as suas férias, em princípio, estará impedido de realizar a entrevista antes do término do gozo das referidas férias.
B. Será que o empregador pode suspender disciplinarmente o trabalhador nos termos do art.º 53.º da LGT, enquanto este estiver de férias?
Em princípio, não. Do ponto de vista prático, seria uma decisão contraditória considerando o facto de que, durante o período de férias, o trabalhador estar ausente das instalações do empregador. Além disso, admitir a possibilidade de suspensão disciplinar durante o período de férias significaria atribuir ao exercício do poder disciplinar o efeito suspensivo do gozo de férias, o que de facto a LGT não consagra.
C. O exercício do poder disciplinar é mesmo compatível com o exercício do direito a férias?
É possível que se levante a problemática da incompatibilidade entre o exercício do poder e a materialização do direito a férias, na medida em que, a notificação da instauração de um processo disciplinar ao trabalhador durante o período em que ele esteja de férias, violará a finalidade das férias, pois o trabalhador ao invés de recuperar do desgaste físico e psíquico resultante da prestação do trabalho, gastará o tempo de férias com a preparação da sua defesa no âmbito do processo disciplinar e não materializará a respectiva finalidade do direito a férias (n.º 1 do art.º 130.º da LGT). Embora a LGT não estabeleça essa incompatibilidade de forma expressa, parece-nos uma construção possível.
Se assim for, competirá ao empregador uma boa planificação das férias dos trabalhadores de modos a não interferirem numa eventual intenção de exercer o poder disciplinar. Por exemplo, o empregador poderá “conceder” períodos mais curtos para o gozo das férias, repartindo as férias em dois períodos de 11 (onze) dias úteis ao invés dos 22 (vinte e dois) dias úteis de uma vez. Esta planificação, em princípio, poderá reduzir a possibilidade de caducidade e ou prescrição do processo disciplinar durante o período de gozo de férias.
D. O gozo de férias pode suspender a contagem do prazo de caducidade para a instauração do processo disciplinar e ou de prescrição da medida disciplinar?
De forma directa, não. A LGT não consagra a possibilidade de o prazo de caducidade do processo disciplinar e ou de prescrição da medida disciplinar suspender-se com o gozo de férias. Assim, em princípio, os prazos correrão o seu curso normal durante o período de férias do trabalhador.
E. Se o trabalhador estiver com as férias marcadas e dias antes de sair de férias for notificado da instauração de um processo disciplinar contra si, como ficam as férias marcadas?
Conforme avançamos, a LGT não consagra o exercício do poder disciplinar como fundamento para o adiamento das férias (art.º 136.º da LGT). Assim, em princípio, o trabalhador tem o direito de gozar as férias no período marcado. É digno de nota que, na prática, vários são os empregadores que inviabilizam a saída do trabalhador, promovendo o adiamento das respectivas férias de forma arbitrária. O trabalhador poderá sempre impugnar a decisão do empregador, nos termos da LGT[4].
F. SITUAÇÃO EXTRA – Suponha que, na data marcada para a entrevista no âmbito do processo disciplinar, o trabalhador arguido adoece, ou, sendo mulher grávida que cometeu uma infracção disciplinar grave, entre em trabalho de parto ou inicie o gozo da licença de maternidade?
Neste caso, considerando que haverá uma ausência e ou suspensão da relação laboral por factos imputáveis e ou respeitantes ao trabalhador, entendemos que o processo disciplinar ficará igualmente suspenso até à cessação do impedimento e respectivo regresso do trabalhador ao seu posto de trabalho.
IV. CONCLUSÃO
Como vimos, o exercício do poder disciplinar, pelo empregador, pode sofrer alguns constrangimentos, fundamentalmente, inerentes ao exercício de legítimos direitos do trabalhador, no caso em concreto, analisamos algumas situações ligadas ao direito a férias. Vimos também que a LGT não apresenta soluções expressas para muitas questões que opõem o exercício do poder disciplinar ao exercício do direito a férias, competindo ao intérprete as construções tendo em atenção os melhores critérios interpretativos. Considerando a iminente possibilidade de alteração da LGT, é nosso desejo que essas situações possam encontrar a melhor regulamentação.
[1] CANGOMBE, Mário Cassoma – Tramitação do Procedimento Disciplinar, Editora Azul, 2021, 1ª Edição, Pág. 151. [2] Apesar de a LGT não apresentar um prazo mínimo para a realização da entrevista, hoje é praticamente uma posição consolidada na Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo de que se aplica o prazo geral de 5 (cinco) dias, nos termos do art.º 153.º do CPC, “de modo a permitir que o trabalhador providencie da melhor forma a sua defesa…” – cfr. Acórdão n.º 357/15 da Câmara do Trabalho do Tribunal Supremo. [3] Esta opção pode ser utilizada fundamentalmente para evitar a caducidade do processo disciplinar e ou prescrição da infracção disciplinar. [4]Para uma análise das vias para a resolução de conflitos laborais, consulte a parte 1 do Guia Prático para a Resolução de Conflitos Laborais pode ser consultada no site www.jmadvogado.com.