POR JOSÉ MAIANDI
I. INTRODUÇÃO
Nos últimos tempos, tem sido crescente o número de greves que se registam em Angola, nos mais variados sectores. Por exemplo, reportando-nos apenas ao ano de 2021 e início de 2022, conseguimos observar a declaração de greve (ou acto similar) de várias entidades, nomeadamente, mas sem se limitar: Sindicato dos Oficiais de Justiça de Angola (SOJA), Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (SINMEA), que persiste até ao momento em que escrevemos o presente artigo, Sindicato dos Técnicos de Enfermagem de Luanda (STEL), Sindicato Nacional dos Magistrados do Ministério Público (SNMMP) e Funcionários do Tribunal Supremo.
São várias as razões subjacentes a este fenómeno laboral. Neste artigo, pretendemos fazer uma abordagem do seu enquadramento legal em Angola, tendo como objectivos dar resposta às seguintes perguntas: O que é a greve? Qual é o procedimento para a sua declaração? Que direitos e obrigações assistem às partes (trabalhador e empregador) durante o período de greve e quais os seus efeitos?
II. REGIME JURÍDICO
Em Angola, os aspectos essenciais da greve, encontram-se regulados na Lei nº 23/91 de 15 de Junho – Lei da Greve, sem prejuízo da sua estipulação geral e ou relação com os seguintes diplomas:
§ Constituição da República de Angola – CRA;
§ Lei n.º 7/15, de 15 de Junho – Lei Geral do Trabalho (LGT);
§ Lei n.º 20-A/92 de 14 de Agosto – Lei da Negociação Colectiva (LNG);
§ Lei n.º 21-D/92 de 28 de Agosto – Lei Sindical (LS).
III. O QUE É A GREVE?
Um primeiro aspecto a ressaltar é que a greve constitui um direito fundamental do trabalhador, ou seja, uma faculdade a eles conferida. Por esta razão, em princípio, competirá aos trabalhadores a decisão ou não do seu exercício, dentro dos procedimentos legalmente estabelecidos (n.º 1 do art.º 51.º da CRA conjugado com a al. c) do art.º 7.º da LGT e o art.º 1.º da LG).
Nos termos do n.º 1 do art.º 2.º da LG, a greve é “a recusa colectiva, total ou parcial concertada e temporária de prestação de trabalho, contínua ou interpolada, por parte dos trabalhadores”. Assim, sempre que estejam em causa fins económicos, sociais e profissionais relacionados com a situação laboral, os trabalhadores podem declarar greve[1].
IV. QUAL É O PROCEDIMENTO PARA A DECLARAÇÃO DE UMA GREVE?
1. APRESENTAÇÃO DO CADERNO REIVINDICATIVO - A greve deve ser obrigatoriamente precedida de apresentação à entidade empregadora de um caderno contendo as reivindicações dos trabalhadores e de tentativa de solução do conflito por via de acordo (n.º 1 do art.º 9.º da LG);
2. RESPOSTA AO CADERNO REIVINDICATIVO - A entidade empregadora deve apresentar aos representantes dos trabalhadores, por escrito, a sua resposta ao caderno reivindicativo, no prazo de cinco dias, salvo se um prazo superior for concedido pelos trabalhadores (n.º 2 do art.º 9.º da LG). Caso a entidade empregadora não responda no prazo estabelecido ou, se após um período de negociações de 20 dias, não se chegar a acordo, os trabalhadores podem livremente declarar a greve (n.º 3 do art.º 9.º da LG);
3. COMPETÊNCIA PARA A DECLARAÇÃO DA GREVE - Compete aos trabalhadores e aos respectivos organismos sindicais a decisão de declaração da greve, que deve ser tomada em Assembleia de Trabalhadores convocada com a antecedência mínima de cinco dias pelo Sindicato ou por vinte por cento dos trabalhadores abrangidos, desde que estejam presentes pelo menos 2/3 desses trabalhadores (n.ºs 1 e 2 do art.º 10.º da LG);
4. COMUNICAÇÃO DA CONVOCAÇÃO DA ASSEMBLEIA - A convocação da assembleia para a declaração da greve deve ser obrigatoriamente comunicada à entidade empregadora, no prazo de 24 horas, e esta, se pretender, pode solicitar a presença de representantes do MAPTSS para efeitos de verificação da regularidade da constituição da Assembleia, e das suas decisões (n.º 3 do art.º 10.º da LG);
5. DESIGNAÇÃO OU ELEIÇÃO DOS DELEGADOS DE GREVE - Durante o acto de decisão de declaração da greve, deve o Sindicato ou a Assembleia de Trabalhadores eleger 3 a 5 delegados de greve, que terão a competência de representação dos trabalhadores grevistas junto da entidade empregadora e do MAPTSS (art.º 11.º da LG);
6. COMUNICAÇÃO DA GREVE À ENTIDADE EMPREGADORA E AO MAPTSS - Decidida a greve a assembleia de trabalhadores ou o Sindicato, consoante os casos, deverão comunicar, no prazo de 3 (três) dias, a sua decisão à entidade empregadora, ao MAPTSS, e ao organismo administrativo de coordenação do sector em que se enquadra a actividade da empresa em greve. A declaração da greve deverá conter, nomeadamente: os fundamentos e objectivos da greve, a indicação dos estabelecimentos, serviços e categorias profissionais abrangidos pela greve, a indicação dos delegados da Greve, designados e a data e hora do início da greve (art.º 12.º da LG);
7. CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO - Os serviços competentes do MAPTSS poderão proceder, por sua iniciativa ou a pedido de qualquer das partes, a diligências com vista à solução do conflito, bem como à garantia de funcionamento dos serviços essenciais. Nas reuniões de conciliação é obrigatória a presença de todas ás partes envolvidas no conflito (art.º 14.º da LG).
V. DIREITOS E OBRIGAÇÕES DAS PARTES DURANTE O PERÍODO DE GREVE
1. DIREITO DE ADESÃO - Os trabalhadores são livres de individualmente aderir ou não à greve, não podendo sofrer discriminação nem, por qualquer forma, ser prejudicados, nomeadamente nas suas relações com a entidade empregadora ou nos seus direitos sindicais, por motivo de adesão ou não a uma greve lícita (art.º 4.º conjugado com o n.º 2 do art.º 16.º da LG);
2. PROIBIÇÃO DE MUDANÇA DE EQUIPAMENTOS E DE SUBSTITUIÇÃO DOS TRABALHADORES - Durante o período de pré-aviso e enquanto durar a greve, não é permitido ao empregador retirar do local de trabalho quaisquer máquinas ou instrumentos de trabalho, nem substituir os trabalhadores em greve por outros que, à data do início do conflito, não trabalhavam para a empresa ou serviço, salvo se, em função de um interesse nacional justificado e a título excepcional, o Titular do Poder Executivo determinar a requisição civil visando a substituição dos trabalhadores em greve para garantir o funcionamento dos serviços e empresas de utilidade pública pelo período de duração da greve (art.ºs 15.º e 17.º da LG);
3. PROIBIÇÃO DE LOCK-OUT – Durante os períodos de negociações e durante ou após a greve exercida licitamente, o empregador está proibido de provocar a paralisação total ou parcial da empresa, a interdição do acesso aos locais de trabalho pelos trabalhadores ou situações similares, como meio de influenciar a solução de conflitos laborai (art.º 18.º da LG conjugado com o n.º 2 do art.º 51.º da CRA);
4. DEVER DE PROTECÇÃO E NÃO ACESSO ÀS INSTALAÇÕES - Durante a greve, o Sindicato e os trabalhadores são obrigados a garantir os serviços necessários à segurança, protecção e manutenção dos equipamentos e instalações da empresa, sendo vedados o acesso e a permanência dos trabalhadores grevistas no interior dos locais de trabalho abrangidos, com excepção dos trabalhadores que não tenham aderido à greve, dos delegados de greve e daqueles que estejam empenhados nas operações de conservação e manutenção desses equipamentos e instalações (art.º 19.º da LG);
5. DEVER DE SALVAGUARDA DA SATISFAÇÃO DE NECESSIDADES ESSENCIAIS / SERVIÇOS MÍNIMOS - Nos serviços e empresas de utilidade pública, os trabalhadores e os organismos sindicais ficam obrigados a assegurar, durante a greve, através de piquetes, as actividades necessárias a assegurar a satisfação de necessidades essenciais e inadiáveis da população. A LG considera serviços e empresas de utilidade pública, os relativos a: controlo do espaço aéreo, saúde e farmácia, captação e distribuição de água, produção, transporte e distribuição de energia eléctrica e distribuição de combustíveis, operações de carga e distribuição de produtos alimentares de primeira necessidade para o abastecimento à população e perecíveis, transportes colectivos, saneamento e recolha de lixo e serviços funerários (art.º 20.º da LG).
VI. EFEITOS DA GREVE
1. SUSPENSÃO DO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS - A greve suspende, durante o tempo em que se mantiver, a relação jurídico-laboral, nomeadamente no que se refere à percepção do salário e ao dever de obediência, mantendo-se, contudo, os deveres de lealdade e respeito mútuos, podendo o empregador optar pelo pagamento dos salários se for esta a sua pretensão, sem prejuízo das férias, contribuição para a segurança social dos trabalhadores e a antiguidade e seus efeitos (art.º 21.º da LG);
2. PROIBIÇÃO DE TRANSFERÊNCIA E DESPEDIMENTO - Durante o período de pré-aviso, enquanto durar a greve e até 90 dias após o seu termo, a entidade empregadora não poderá transferir nem despedir os trabalhadores grevistas, a não ser por razões disciplinares. No caso dos delegados da greve, a proibição se prolonga até um ano após o termo da greve (art.º 22.º da LG);
3. SUSPENSÃO DE PRAZOS - Durante a greve, suspendem-se os prazos relativos a prescrição das sanções disciplinares, instauração e prática de actos de processo disciplinar e estágio de trabalhadores (art.º 23.º da LG);
VII. ILICITUDE DA GREVE
Sempre que a greve prossiga objectivos diferentes dos estipulados pela LG e nos casos em seja acompanhada de ocupação dos locais de trabalho ou não obedeça aos princípios e regras estabelecidos na referida lei, será considerada ilícita, não conferindo qualquer protecção aos trabalhadores grevistas e delegados da greve (art.º 7.º conjugado com o art.º 24.º da LG).
VIII. CONCLUSÃO
O crescente número de greve em Angola reflecte um aumento da cultura jurídica por parte dos cidadãos, com especial realce para a classe dos trabalhadores. No entanto, ela também apresenta-se como um reflexo da pouca eficácia das negociações entre as partes. Diante deste cenário, é importante que percebamos que a verdadeira solução para os problemas emergentes das greves não decorrerá da mera aplicação da lei e dos seus procedimentos, antes, dependerá de uma combinação de factores, com realce na aplicação da arte da diplomacia e do alcance de reais pontos de equilíbrio entre as partes e de cedências mútuas, com um claro afastamento de elementos de superioridade e uma gestão voltada para as pessoas, o maior capital de qualquer instituição.
Que este artigo acrescente valor à sua rotina profissional.
Este é o nosso profundo desejo.
[1] A CRA e a LG impõem restrição do exercício do direito à greve por parte de determinados profissionais, nomeadamente, forças militares e militarizadas, forças policiais, titulares de cargos de soberania e magistrados Judiciais e do Ministério Público, agentes e trabalhadores da administração prisional, trabalhadores civis de estabelecimentos militares e bombeiros (art.º 6.º da LG, conjugado com o n.º 7 do art.º 179.º e art.º 205.º todos da CRA).